A frase pode soar contraditória, especialmente vindo de uma investidora que construiu sua trajetória apostando em pessoas, causas e soluções voltadas para transformação social. Mas é justamente por acreditar no poder dos negócios de impacto que afirmo com clareza: nem todo negócio de impacto está pronto para receber investimento.
Nos últimos anos, observei um crescimento no número de empreendedores e empreendedoras que se identificam com o rótulo negócio de impacto. A maioria tem boas intenções. Muitas vezes, trazem vivências legítimas, dores reais, e um senso de urgência admirável para resolver problemas sociais, ambientais ou estruturais.
Porém, precisamos ser realistas: intenção não é critério suficiente para justificar um investimento. Impacto sem estrutura é só uma boa ideia esperando para se frustrar.
O que é (e o que não é) um negócio de impacto
Negócio de impacto é aquele que, ao mesmo tempo em que resolve um problema social ou ambiental relevante, possui um modelo de negócio sustentável. Não se trata de uma ONG com CNPJ. Também não é uma startup convencional tentando "encaixar" propósito no pitch deck.
A diferença está na intenção incorporada ao core da operação e não apenas no discurso. Impacto, portanto, não é um apêndice, é uma proposta de valor mensurável, consistente e, acima de tudo, viável dentro de uma lógica empresarial.
E aqui está o ponto-chave: não há impacto de longo prazo sem sustentabilidade financeira, estratégia de crescimento e governança clara.
Por que digo não (mesmo quando o propósito me toca)
Já vivi o dilema de investir em negócios que defendiam causas urgentes, mas que não tinham clareza de modelo, estrutura de operação ou plano de expansão. Investi por empatia, e me frustrei pela falta de retorno, tanto financeiro quanto de impacto real.
Hoje, adoto uma postura essencialista ao avaliar propostas. Antes de qualquer decisão, me pergunto: esse negócio tem base sólida o suficiente para sustentar o impacto que deseja gerar?
A resposta passa por critérios objetivos:
Modelo de receita validado: o produto ou serviço já encontrou um cliente pagante real, que não seja apenas amigo ou instituição parceira?
Margem operacional: o negócio é lucrativo ou depende de editais, doações e campanhas para sobreviver mês a mês?
Estrutura de time: a fundadora ou o fundador está sobrecarregada ou existe um time complementar com competências técnicas e estratégicas?
Capacidade de escalar: a solução é replicável ou cada novo cliente exige customização e esforço operacional desproporcional?
Governança e dados: a empresa possui processos mínimos de compliance, análise de dados, e práticas de gestão que sustentem o crescimento?
Se a resposta for não para esses pontos, eu também preciso dizer não. E esse “não” não é uma rejeição à causa, é um compromisso com a responsabilidade.
Impacto exige estrutura
Uma das confusões mais frequentes que vejo é a ideia de que negócios de impacto devem ser tratados com mais "compreensão" pelo investidor, como se o propósito compensasse a ausência de indicadores, estrutura ou clareza de rota.
Mas é justamente por se tratar de uma solução social que ela deve ser ainda mais consistente. Porque o fracasso de um negócio de impacto não é só um prejuízo financeiro, é também uma oportunidade perdida de mudar a vida de pessoas.
Negócios que se propõem a gerar transformação precisam ser ainda mais preparados e comprometidos com resultados tangíveis.
Estamos entrando em uma nova era, marcada pelo avanço acelerado da inteligência artificial, mudanças regulatórias globais, novas formas de captação e modelos cada vez mais enxutos.
Hoje, startups de três pessoas conseguem operar soluções que antes exigiriam vinte funcionários. Ferramentas de inteligência artificial automatizam muito mais do que antes era feito manualmente. O capital exige retorno. O mercado exige eficiência. O consumidor exige clareza.
Portanto, não é que eu deixei de investir em impacto , eu apenas passei a investir com mais critério.
O propósito é o ponto de partida, não de chegada
O que diferencia um negócio de impacto bem-sucedido de uma boa intenção falida é a capacidade de transformar causa em operação, desejo em produto, dor em proposta de valor e discurso em resultado.
Negócio bom é aquele que entende o que está resolvendo, para quem, por quanto, com quais recursos e com que projeção de crescimento.
Propósito sem estratégia é só uma promessa.
E eu não invisto em promessas. Invisto em futuros possíveis.