Por que não invisto em segmentos que não domino.
Mesmo quando o empreendedor é excelente
Dizer “não” a uma pessoa brilhante é uma das decisões mais difíceis que uma investidora pode tomar. Já aconteceu comigo diversas vezes: do outro lado da mesa, uma fundadora carismática, estratégica, com execução impecável e um histórico inspirador. O pitch era envolvente. O propósito, legítimo. A dor que o negócio resolve? Real. Mas a minha resposta continuava sendo: não.
E o motivo é simples: eu não invisto em segmentos que não domino.
Em um mundo que valoriza a conexão rápida e imediata, pode parecer fria essa escolha. Mas é uma escolha baseada em responsabilidade, foco e naquilo que aprendi exercendo o essencialismo como princípio de vida e de decisão.
Investidora não é patrocinadora. É aliada estratégica.
Quando invisto, não coloco apenas dinheiro. Coloco também minha rede, meu tempo, minha reputação e minha inteligência de negócio. Entro para abrir portas, destravar crescimento, ajustar estratégia e multiplicar resultados.
Mas eu só consigo fazer isso quando conheço o território onde o negócio está inserido e, também, se a pessoa empreendedora é flexivel o suficiente para ajustar a rota, caso seja necessário. Se não domino o segmento, corro o risco de me tornar uma figura simbólica e isso, pra mim, não é investimento, é ilusão.
Um bom empreendedor não sustenta sozinho o peso da complexidade setorial
Já vi empreendedores brilhantes naufragarem em setores ultra regulados, tecnicamente densos ou sujeitos a dinâmicas específicas de cadeia de valor, concorrência ou canal de distribuição.
E mais: já vi negócios promissores estagnarem porque o investidor não sabia como contribuir e, no fim das contas, nem deveria ter entrado.
O sucesso de uma empresa não depende apenas da qualidade do empreendedor.
Depende também de quem caminha com ele. Se o investidor não entende o jogo, não adianta torcer para o melhor jogador, ele continuará sozinho em campo.
O exemplo da alimentação: não basta saber cozinhar
O setor de alimentação é um ótimo exemplo.
Recebo com frequência propostas de empreendedoras talentosas na cozinha, com produtos incríveis, ingredientes maravilhosos, estética cultural potente e uma narrativa genuína de território e ancestralidade.
Mas um negócio de alimentação exige muito mais do que habilidade culinária.
Para operar legalmente e com potencial de escala no Brasil, uma empresa de alimentos precisa entender e cumprir uma série de exigências, entre elas:
Registro na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para produtos industrializados.
Vigilância sanitária local para operação de cozinhas e pontos de venda.
Obter certificação de Boas Práticas de Fabricação (CBPF) em cozinhas industriais.
Classificação fiscal correta (NCM e CNAE) para tributar corretamente.
Licença ambiental ou de resíduos sólidos, dependendo da operação.
Rotulagem nutricional adequada, conforme exigência legal.
Controle de shelf life e logística de alimentos perecíveis.
E aqui está o ponto: se a fundadora domina esse universo regulatório, entende de cadeia de fornecimento, margem, precificação e expansão, então existe chance de eu entrar.
Agora, se o negócio depende apenas da intuição, da habilidade artesanal e da beleza do produto, eu não sou a melhor investidora para isso.
Não porque não acredito. Mas porque não conseguirei contribuir com estrutura, escala ou preparação para rodadas maiores.
Clareza sobre onde posso multiplicar valor
Hoje, invisto onde posso realmente multiplicar. Meus investimentos estão concentrados em setores onde domino:
As dinâmicas de crescimento.
As dores específicas da operação.
Os pontos cegos do mercado.
As conexões que aceleram a tração.
Nesses setores, eu consigo entrar em pitch com perguntas que fazem diferença. Consigo antecipar riscos. Consigo abrir portas em menos tempo. Consigo provocar a fundadora com firmeza, porque conheço o terreno.
E é exatamente por isso que escolho não estar onde não posso ser útil.
Não é um não ao empreendedor. É um sim à honestidade.
Quando digo não a um negócio fora da minha zona de domínio, não estou dizendo que o empreendedor é incapaz. Estou dizendo que eu não sou a investidora ideal para aquela jornada.
E isso, para mim, é um ato de respeito comigo mesma, com o capital que administro, com o tempo da empreendedora e com o impacto que a empresa pretende gerar.
Não quero ser mais uma na lista de investidores que “acreditaram, mas não entregaram”.
Quero estar onde posso gerar valor real. E para isso, preciso saber onde é minha praia, e onde é mar aberto demais para eu nadar.