Por que ainda precisamos trabalhar o dobro pra sermos vistas?
A história que ainda não nos contaram inteira
Desde muito cedo, fomos ensinadas a acreditar que esforço, competência e dedicação seriam suficientes para garantir reconhecimento e ascensão profissional. A promessa era clara: quem se esforça, alcança. Quem se dedica, conquista seu espaço. Mas, à medida que amadurecemos e nos inserimos de forma mais profunda no mercado de trabalho, descobrimos uma realidade dura e, muitas vezes, silenciosa: a excelência, por si só, não basta.
Ser mulher, ser negra, ser periférica, ser fora dos padrões hegemônicos implica, ainda hoje, partir de uma linha de largada desigual. As portas que para alguns se abrem naturalmente exigem de nós um conjunto adicional de provas, de certificações, de superações. É como se, para sermos apenas consideradas, tivéssemos de trabalhar o dobro, falar o triplo, entregar resultados impecáveis e, ainda assim, justificar nossa presença.
Essa lógica imposta pela sociedade não é falada abertamente, mas molda silenciosamente as estruturas de poder. O mercado ainda enxerga com desconfiança quem foge do perfil que historicamente ocupou os espaços de liderança e protagonismo. Por isso, é tão importante reconhecermos essa dinâmica e, a partir dela, construir estratégias conscientes para interromper esse ciclo de invisibilidade e subvalorização.
Não se trata apenas de esforço individual. Existe um sistema, construído e fortalecido ao longo dos séculos, que organiza as oportunidades de maneira desigual. É um sistema que define quem pode ser ouvido, quem é considerado referência e quem deve, constantemente, provar seu valor. É sobre uma estrutura que naturaliza a exclusão e transforma nossa luta diária em algo quase invisível para quem nunca precisou enfrentá-la.
Dentro desse sistema, não é raro vermos mulheres extremamente capacitadas sendo preteridas em processos de promoção, tendo suas ideias apropriadas ou sendo constantemente avaliadas por critérios que nada têm a ver com sua competência técnica e estratégica. A avaliação sobre nossa performance é, muitas vezes, enviesada por estereótipos que nos colocam sempre em posição de dúvida: será que ela é capaz? Será que ela aguenta?
Quando entendemos que o problema não é apenas pessoal, mas estrutural, conseguimos sair do ciclo da autocrítica paralisante. Não é que sejamos menos capazes. É que, mesmo sendo brilhantes, ainda estamos lutando contra um sistema que não foi feito para nos favorecer. E é exatamente por isso que precisamos agir de forma intencional, estratégica e consciente para reposicionar nossa imagem e reconstruir nossa narrativa.
A síndrome da excelência invisível
A excelência invisível é uma armadilha que aprisiona muitas mulheres brilhantes. Fazemos mais, entregamos mais, somos mais comprometidas, porém permanecemos invisíveis nos espaços de decisão. Trabalhamos dobrado, esperando que, em algum momento, alguém nos reconheça espontaneamente. Mas, esse reconhecimento, na maioria das vezes, não vem, não porque não merecemos, mas porque não fomos ensinadas a nos posicionar.
O mercado está cheio de exemplos de profissionais medianos ocupando posições estratégicas, não por entregarem mais, mas por saberem se colocar melhor. Enquanto isso, mulheres altamente qualificadas continuam aguardando serem notadas. A espera silenciosa, baseada na crença de que "uma hora irão ver meu valor", muitas vezes se transforma em frustração, cansaço e sensação de injustiça.
É preciso compreender que não basta ser excelente. Precisamos aprender a comunicar essa excelência de forma estratégica. Precisamos ocupar os espaços com consciência de que nossa história, nossas entregas e nossas competências merecem ser vistas, reconhecidas e valorizadas. Construir autoridade exige, sim, trabalho duro, mas também exige coragem para ser vista e estratégia para se manter em evidência.
Não é justo. Mas é real.
Reconhecer a realidade não é aceitar passivamente a injustiça. É entender o terreno em que estamos jogando para definir as melhores estratégias de atuação. Enquanto o mercado continuar operando sob lógicas excludentes, precisaremos, sim, de estratégias específicas para transformar a nossa entrega em presença e a nossa competência em autoridade percebida.
Ignorar essa realidade, fingir que todos partimos das mesmas condições ou acreditar que o esforço isolado resolve tudo apenas prolonga o ciclo de apagamento. Somos chamadas a compreender que excelência sem visibilidade não garante espaço. Que entrega sem posicionamento não gera oportunidade. E que esperar reconhecimento espontâneo é, muitas vezes, um convite à frustração.
A boa notícia é que, uma vez que enxergamos essa dinâmica, podemos agir de forma muito mais intencional. Podemos escolher nos posicionar de maneira estratégica, sem culpa e sem medo de parecer "vaidosas" ou "oportunistas". Porque comunicar nossa história com clareza não é vaidade. É sobrevivência. É construção de legado.
Construir presença é construir poder
Ter presença é mais do que estar fisicamente em um espaço. É ser percebida, é ser levada a sério, é influenciar os rumos das conversas e das decisões. E essa presença não é construída apenas com diplomas ou horas extras de trabalho. Ela é construída com estratégia, com posicionamento e com narrativa.
Construir presença exige que entendamos o valor da nossa história, que saibamos comunicá-la de forma consistente e que tenhamos coragem de ocupar os espaços sem pedir desculpas. Não podemos mais esperar sermos convidadas para a mesa. Precisamos nos posicionar para que nossa ausência seja percebida como um problema. Para que nossa presença seja desejada, não apenas tolerada.
E é exatamente esse movimento que fortalece nossa trajetória. Quando nossa entrega é estruturada por uma comunicação estratégica, deixamos de ser invisíveis. Nos tornamos referência. Nos tornamos inegociáveis. Não porque gritamos mais alto, mas porque nossa presença se torna incontornável.